10 de nov. de 2017

MILLÔR EM PEDACINHOS - US FORA DA LEI NUM TÃO CUM NADA

Já deve estar bastante claro que Millôr está entre os meus preferidos. Leio e releio a mesma coisa.
Resolvi, então, criar uma seção neste blog, dedicada a compartilhar excertos de textos e alguns quadrinhos. A fonte comum dos pedacinhos que pretendo compartilhar é o livro "O MUNDO VISTO DAQUI (PRAÇA GENERAL OSÓRIO) 1980 - 1983, autoria de Millôr, claro. A atualidade dos textos justifica revê-los, ainda que parcialmente.
Mas os curiosos, os admiradores provavelmente poderão encontrar o livro, para conhecerem a íntegra: AGIR EDITORA LTDA, Rua Nova Jerusalém 345 - Bonsucesso - Rio de Janeiro - CEP 21042-235 - Fone (21)3882-8200 (dados constantes do livro, não sei se atuais).
Poderia ter adotado o título da seção como "Millôr em Excertos". Ficaria muito pedante e o Millôr quase que só transita por esse terreno quando parte para a ironia.
Outro fator que me levou ao título é a freqüência com que Millôr fala do episódio do Riocentro, durante a ditadura, em que dois militares agentes do DOI-Codi do 1º Exército, dentro de um carro no estacionamento, planejavam detonar uma bomba no auditório do pavilhão, onde 20 mil pessoas assistiam ao show comemorativo do 1º de maio, com o objetivo de criar pânico na plateia e responsabilizar um grupo de esquerda pelo atentado. A bomba explodiu acidentalmente, tendo morrido os dois militares.
Preferi, então, "Millôr Em Pedacinhos".
Inaugurando a seção:


"Us fora da lei num tão cum nada"

O pessoal anda meio escandalizado com os out-law, os fora da lei, que podem acabar dominando a sociedade com o jogo, seu lenocínio, sua droga. Mas eu, que sou rendeiro e como carne de carneiro, não estou tão assustado assim. Acho até que eles têm direito a seu quinhão de glória, poder, dinheiro. Lutam por isso desde que nascem, geralmente na mais absoluta miséria, não contam com o Estado para nada e vão lá, no buraco da onça, cutucar a fera, arriscando a vida. Muitos morrem.
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O que me preocupa são os novos donos do poder, a máfia do "social", caminho suave, atapetado, amplo, limpo, universitário. Tão limpo que ninguém morre e ninguém mata, nessa área. No máximo, se xingam. Tutto buona gente.
Vocês já moraram: mais uma vez estou falando dos socialistas de direita, perto de quem os malfeitores comuns são sujos diletantes disputando migalhas econômicas.
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A ascensão é suave. O cara, lá em sua universidadezinha, ...............................
Depois começa a participar de simpósios, assume assessorias e logo domina as imensas salas das imensas autarquias. Aí tem à sua disposição exclusivos meios de transporte (uma fixação!), cujos símbolos máximos são o jatinho lá no alto e o transporte vertical, no mais amplo sentido da palavra - o elevador privativo. Aí está no trono do poder do século - a tecnoburocracia.
Até que é um empreguinho modesto. Ninguém ali, no papel - podes crer -, ganha mais de 300, 200 picos, depois do IR, INPS, etc. Mas, como são todos gênios da multiplicação econômica, têm casas suntuosas, aparecem na TV sempre de ternos brilhantes, ................................. porque só participam dos lucros, e não arriscam nada porque o nirvana é vitalício. Se saem do escalão dos mil mais poderosos e caem em "desgraça", essa desgraça é o escalão dos dez mil mais poderosos, altamente paparicado pelo escalão dos mil, pois os que estão no primeiro hoje estarão no segundo amanhã e vice-versa. São mágicos do monopólio de tudo ...................................
e têm sempre na boca a última verdade econômica e social, naturalmente completamente diversa da verdade apregoada no dia anterior.
Esses, sim, amigos, os verdadeiros e elegantes godfathers do nosso piccolomondo. Portanto, por que temer os fora da lei? No Brasil, temos que temer é os que estão acima da lei, ou melhor, os que, quando a lei não lhes serve, fazem outra."

04/11/1981
Pág. 145/147.



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