3 de dez. de 2016

DIVERGÊNCIA NA INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL OU PROCESSUAL PENAL E NA AVALIAÇÃO DE FATOS E PROVAS



No Senado, o Juiz Sérgio Moro apresentou uma proposta para ser inserida na lei. Disse que a proposta será encaminhada ao Senado. Eis o texto:






"Não configura crime previsto nesta lei a divergência na interpretação de lei penal ou processual penal ou na avaliação de fatos e provas." (G1 - http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/11/moro-envia-ao-senado-sugestao-projeto-sobre-abuso-de-autoridade.html).

Que S. Exa. me desculpe mas - com todo o respeito e a admiração que lhe voto, pela coragem no trabalho, pela disposição e pelo empenho, e pelos efeitos, incluindo a recuperação de ativos, ora da ordem de quase sete bilhões de reais - ouso discordar, não torcendo para manter propostas que, segundo o Judiciário e o MP têm alegado, objetivam a matar a Lava Jato. Mas porque penso que qualquer proposta de mudança em legislação tem de ser cuidada com muita maturidade (não quero dizer que o autor da proposta não tenha maturidade, mas, no momento, não tem nem pode ter isenção, porque está profundamente envolvido, como estão envolvidos os parlamentares que emendaram a proposta oriunda do MP).
Primeiro: a proposta fala em interpretação de lei penal ou processual penal.
Isto mexe comigo. O cidadão não pode escusar-se de cumprir a lei, alegando que não a conhece (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, art. 3º). Um das formas de não conhecer a lei é ser incapaz de interpretá-la. Então, para que se possa impedir o cidadão comum de alegar desconhecimento, é indispensável que a lei seja absolutamente clara e coerente, para que possa interpretá-la com certeza. Conheço um caso concreto, em que um acusado da prática de atentado violento ao pudor, com violência presumida, foi absolvido, aplicando-se uma interpretação de dispositivos cabíveis, a qual me pareceu muito coerente. Posteriormente, a legislação foi modificada, ficando claro que aquela argumentação não teria mais cabimento, no mesmo caso. Verifico que a primeira legislação continha falha que permitia argumentar com boa dose de admissibilidade.
Por isto, acho que não pode haver divergência, entre juízes, na interpretação de lei penal ou processual penal - e até da lei civil. Se os juízes não conseguem formar o mesmo conceito, sobre determinada norma, não se pode exigir que cidadãos não versados em Direito o consigam. Neste caso, penso que a lei será imperfeita.
No entanto, acho perfeitamente possível que juízes discordem quanto à avaliação de fatos e de provas, eis que, podendo ser vistos por óticas diferentes, cabe admitir divergências.
Assisti a parte da sessão do STF em que foi recebida a denúncia contra Renan Calheiros. Ouvi do Ministro Tófoli que não poderia haver relação de causalidade entre a existência de uma nota fiscal de prestação de serviço e a inexistência de lançamento do valor correspondente no extrato bancário. Argumentava que o pagamento poderia ter sido feito em dinheiro.
Quanto a isto concordo com o Ministro Tófoli - e apenas quanto a isto porque não ouvi os votos de outros ministros e não sei se nos autos há outros elementos de informação que indiquem que o pagamento não foi feito.
Um aspecto que considero relevante para discordar da proposta do Juiz Sérgio Moro é o fato de ficar muito difícil, senão impossível, determinar a autoria de crime, se o fato pudesse ser considerado como tal. Vejamos:
As divergências, no STF, como nas demais esferas do Judiciário, são coisa corriqueira.
Na mesma sessão aqui referida, três ministros rejeitaram totalmente a denúncia; três outros ministros receberam integralmente a denúncia; e sete outros ministros receberam parcialmente a denúncia.
Se se pudesse imputar a alguém, como crime, o fato de divergir na avaliação de fatos e provas, a quais deles seria cabível a imputação? Aos que rejeitaram integralmente a denúncia? Aos que a receberam integralmente? Ou aos que a receberam apenas parcialmente? E quem decidiria isto?
Penso que não tem razão de ser a proposta do Juiz Sérgio Moro - com todo o respeito que lhe é devido - porque, quanto a divergência em avaliação de fatos e provas, a divergência pode ocorrer com freqüência. Mas, quanto a divergência na interpretação da lei penal ou da processual penal, acho que não tem cabimento, salvo imperfeição na lei, que terá de ser modificada. E, sendo inconciliável a divergência, a imperfeição terá de ser favorável ao acusado.
Entendo, sim, que os trabalhos dos juízes devam estar sujeitos a avaliações e conseqüências, quando se provasse que tenham incorrido em erro, mas apenas quanto a efeitos civis. Trata-se um fato de exercício profissional, como em qualquer outra profissão. E, evidentemente, de prestação de serviço. Chego a cogitar de aplicação de normas do Código de Defesa do Consumidor (o cidadão é consumidor dos serviços do Estado, sendo que o CDC contempla toda a linha da prestação do serviço).
Sub censura, como gostam os juristas.

Imagem: STF - Símbolos da Justiça.
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaSimboloJustica&pagina=inicial

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