17 de mai. de 2013

COMENTANDO COMENTÁRIOS

COMENTÁRIO: Publicado no jornal "Folha de S. Paulo", 17 de maio de 2013, página C2, sob o título "Só teatro", assinatura de Barbara Gancia.
Assunto: fala de possibilidades à disposição de réus no episódio conhecido como "mensalão", e critica circunstâncias do julgamento.
Excertos:


"Quinzão ... Teme a hipótese de que o plenário do STF decida em favor de recursos que favoreçam os réus do mensalão que tiveram quatro votos a favor. ... Em 20 ou 30 anos, quando o contexto político for outro; a composição do STF for outra e, quem sabe, a temperatura for mais baixa nas áreas da banca em que ficam empilhadas as revistas semanais, as pessoas se darão conta de que o acórdão, a sentença final do mensalão, é um documento sem pé nem cabeça, sem sustentação alguma, sem lógica interna, e que não foi a 'impunidade' que o fez naufragar, mas sua falta de coerência. ...Desde o dia 1º venho martelando que a peça é capenga. Não, não entendo xongas de direito. Eu mais os milhões de fãs de Barbosa que ficaram meses com o nariz grudado na TV vendo o juiz em ação - sem revide da defesa, diga-se. Mas muito especialista que examinou a papelada reconhece que existe ali mais populismo jurídico do que competência de fato - foram 37 réus julgados de uma vez só por crimes diversos, onde já se viu uma coisa dessas? ... O caro leitor já tentou ler o documento? Também não li. Mas quem teve de se debruçar sobre a obra atesta que ela não diz lé com cré."

Primeiro que tudo, gostaria de saber o que a colunista está querendo dizer, quando fala que a sentença "não diz com cré". Se quer falar em coerência, acho que terá de discutir com minha memória.
Minha memória que, com veemência, diz-me que a expressão não complementa nem é complementada pela expressão cré. Antes, são mais ou menos antagônicas, uma referindo-se um segmento mais humilde e a outra a segmento mais elitizado. Ou seja, uma não se dá com a outra. Não posso, pois, deixar de referir-me a meu velho professor de português, o Cônego Siqueira, ensinando nos - a nós, seus alunos no Colégio Estadual, em Belo Horizonte - que a expressão deveria ser com , clé (e não cré, que a ignorância das pessoas simples conseguiu emplacar, nos processos de evolução da linguagem) com clé. Tudo isto significando leigo com leigo, clérigo com clérigo, em época em que os conventos tinham, em seus serviços, sacerdotes clérigos e sacerdotes leigos. Consta que não se misturavam.
Portanto, se foram aqueles que se debruçaram sobre a papelada, e atestaram que "ela não diz lé com cré", não terão cometido engano. Penso que, qualquer que fosse a circunstância, as conclusões não poderiam ter sido afastadas das informações nos autos. Poder-se-ia dizer que nada tinha a ver com , ou que cré (forma que restou na cultura até erudita) nada tinha a ver com cré. Acho que se estavam querendo falar em contradição, penso que incorreram em erro semântico.
Se a expressão foi trabalhada pela colunista, penso que não sabe exatamente do que está falando e que o Cônego Siqueira não a teria deixado passar de ano.
Aspecto mais relevante: tenho comigo que as avaliações de Ministros do STF é polarizada. Quem é PT ou adjacências adora o Lewandowski e o Tóffoli e odeia o Joaquim Barbosa; quem é PSDB e adjacências adora o Joaquim Barbosa e detesta o Lewandowski e o Tófoli.
Tenho comigo, também, que cerca de 99% dos brasileiros - eu inclusive - nada sabem dos autos do julgamento. Tudo por ouvir dizer. Assisti a muitas das sessões do julgamento. Mas só tenho informações que me foram passadas na leitura de peças dos autos, ou de leituras de votos. Nada mais.
Aí é que mora o perigo. Falar de mensalão em um boteco qualquer, sem conhecimento dos autos, é mero palpite (opinião precisa de fundamento sério), na maioria das vezes comprometido com partidarismos políticos. Coisa inconsequente, que se evapora junto com o álcool.
Agora, em uma coluna de jornal considerado sério, afirmar que não leu "a papelada" e transmitir opinião tentando deslustrar o trabalho do STF, não pode ser considerado sério. Se os réus do mensalão conseguirem provar que foram tungados pelo STF, que o julgamento foi irregular, e outras coisas, serei o primeiro a aplaudir a democracia. Mas o que vi na coluna comentada não é só desinformação. É deformação da opinião pública, sempre presa fácil de quem tem uma mídia à sua disposição, mas não tem comprometimento com a busca de informações precisas e neutras.

Nenhum comentário: