27 de ago. de 2012

BANDO DE VAGABUNDOS!

Sempre achei que a culpa é do La Fontaine. Disse isto sobre um palco, em 1984.
Como é de sabença popular, a fábula "A Cigarra e a Formiga" é uma fábula atribuída a Esopo e recontada por Monsieur Jean De La Fontaine. É claro que fui consultar. Encontrei que La Fontaine escreveu várias fábulas, sempre com fundo moral. Da minha parte, acho que, quanto a recontar a fábula da cigarra e da formiga, La Fontaine perdeu uma grande oportunidade de ficar calado.
Pois não é que, no verão, a formiga trabalhava incansavelmente, como trabalham as formigas. E a cigarra cantava, também incansavelmente, como cantam as cigarras. Chegou o inverno. A formiga, em seu formigueiro, forrada para a intempérie. A cigarra, ao relento, sofrendo os rigores do frio e da fome. Bateu na casa da formiga e pediu abrigo e alimento. A formiga perguntou: o que você fazia no verão? A cigarra: eu cantava! A formiga: pois então, dance agora! 
A Cigarra bate à porta da formiga, no invernoPenso que, a partir desse tipo de idéia, a cultura popular assumiu o estigma do artista: malandro, vagabundo... Até hoje.
Melhor: uma pessoa que desconheço (preciso procurar conhecer, porque é uma boa pessoa; se alguém souber, dê um alô) fez uma nova leitura da fábula: a formiga acolheu a cigarra, ofereceu chá quentinho e bolachas. A cigarra assustou-se: mas o roteiro não era você me enxotar? A formiga: por que, minha querida? Foi ouvindo seu canto, durante o verão, que encontrei forças e ânimo para trabalhar. Venha cear comigo!
A velha imagem recriada por La Fontaine assombrou-me hoje, quatro horas da tarde. Um grupo de choro ensaiando no Conservatório Municipal de Patos de Minas. A atividade é curricular. Uma sala pequena, janelão para uma rua, esta em nível bem acima. Tocando, observei uma senhora que passava lá fora. Caminhou uns trinta metros sob minhas vistas (janela grande e campo de visão maior). Olhava fixamente para a nós. Caminhou sem tirar os olhos. Não pude deixar de rir. Imaginei a senhora pensando:
- Cambada de vagabundos. Baita segunda feira, quatro da tarde, e ali estão cinco marmanjos tocando violão, bandolim e batendo pandeiros!
A culpa é do La Fontaine!

Imagem 1: Centro de Estudos Aprender
http://aprendercentrodeestudos.blogspot.com.br/2012/05/conto-cigarra-e-formiga.html
Imagem 2: Peregrinacultural's.
http://peregrinacultural.wordpress.com/2009/07/06/a-cigarra-e-a-formiga-em-versos-por-bocage/

4 comentários:

Moreno Comini disse...

Muito boa, seu Comini!
Qd aparece em SP?
Bjão!

marco antônio comini christófaro disse...

Tô chegando na próxima sexta-feira, com a Raïssa, que vai prestar concurso para a USP (quer trabalhar lá). Ligo depois ou falo pelo face. Beijão, cara!

Anônimo disse...

Excelente!!! Concordo demais com a necessária revisão dessa fábula. Agora, por outro lado, faço um juízo mais benevolente da senhora que via o ensaio desde a calçada: ela estava na verdade apreciando muito o chorinho. Certeza!

marco antônio comini christófaro disse...

Anônimo, louvo sua generosidade. Cadikim estava apenas generalizando, sem dirigir sua opinião necessariamente para aquela senhora. Quis dirigir a ideia para a generalidade de muitas pessoas que acham arte malandragem. E há essas pessoas!!!! Muito boa sua intervenção. Obrigado!